domingo, 28 de dezembro de 2008

Ciclos Cósmicos.


Como é ano novo e isso nos faz pensar na passagem do tempo, sugiro um texto de Rene Guenon sobre os ciclos cósmicos, em espanhol, neste link: http://www.reneguenon.net/guenontextosciclosEsp.html

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Para o Natal...


A água fria murmura através dos ramos
das macieiras; toda a terra está sob a sombra
das roseiras; e das folhagens a estremecer
escorre o sono.


Safo-tradução de Frederico Lourenço.


Pintura: Claude Monet - The Artist's Garden at Giverny, 1900, Musee d'Orsay, Paris

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Um Texto de Megumi Yuasa.


Imagem: Hokusai Katushika


Será mágica especular que em sua diáfana identidade recria imagem fiel e contrária como sombra inseparável, veloz,íntima e simultânea?

Representação da imaginária poética ou objeto enganador?

Talvez uma das emergências do oculto não escolhido, mas simplesmente aceito porque imponderável, quase sempre desconhecido e improvável, pelo menos invisível, que descreve o mistério insistente, leve, genuíno, silencioso e discreto.
O que é!

O Visível e o Invisível se complementam com o Real e seu Outro. Só significam em sua completude, sendo entendido em parte pela persistência do enigma.



Megumi Yuasa é artista-plástico e poeta.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Nova Leva da Revista "Diversos Afins".

Acaba de entrar no ar a nova leva da Revista Diversos Afins com desenhos de Felipe Stefani. Vale muito a pena conhecer essa revista de alto bom gosto artístico e seriedade. É uma rara e deliciosa exceção na internet. Confiram nesse link: http://www.diversos-afins.blogspot.com/

As letras da lua apagando a chuva...


As letras da lua apagando a chuva
(sei que, a dormir, ela cria uma clareira).
Com as letras encantadas eu dormia.
Então a lua aflorava
as estrelas, em raízes vivas, vivas como as águas.

Chovia, e a cítara lunar batia na calçada,
onde os pés dormiam.
Lembro que a geada te entreabria,
acordada, repartida, abria as letras
enquanto passavas.
Lembro-te assim,
escutando as partes da geada,
onde as vozes das águas batiam contra os passos.

Repentinas, abriam as letras do teu rosto.
Era o rosto que brilhava nas cítaras lunares,
como o corpo da música da geada,
dormindo nas águas.

Era como me lembro,
dormindo enquanto uma clareira te escutava,
a lua apagando os passos do vento,
teu nome ao lado das pedras molhadas
da calçada, aflorando as letras do esquecimento.



Desenho e Poema de Felipe Sstefani.

sábado, 20 de dezembro de 2008

A Via Simbólica.


Pietro Perugino. Apollo and Marsyas. Oil on wood. Louvre, Paris, France.


"O poeta, o artista, em poucas palavras, são capazes de transmitir um estado de alma, que um psicólogo, em termos racionais, precisaria páginas e páginas para descrever, sem alcançar certamente o seu objectivo. Em todos os tempos, a linguagem das religiões é uma linguagem poética, por que elas falam à razão, mas sempre através do coração, onde muitas vezes permanecem, sem poderem ir mais adiante.

Esse "irracional", que os símbolos traduzem, possui raízes tão profundas na alma humana, que em todos os momentos da história, naqueles decisivos momentos da história, foi preciso apelar para ele, afim de que os homens seguissem um rumo, ou se obstinassem na defesa de uma posição.

É uma melancólica e bem magra pretensão desejar-se cortar para sempre essa raiz, a fim de que o homem fosse assistido apenas pelos conceitos racionais, meras generalidades. E assim como a flor, arrancada de seu galho, murcha, também o homem não poderia transformar-se numa mera maquina de pensar..."


Mário Ferreira dos Santos em "Tratado de Simbólica"

Capitu: alto padrão global.


Michel Melamed como Dom Casmurro em Capitu.

Por Flávio Viegas Amoreira

Não esperava tecer adjetivos benevolentes à TV: a Internet sepultou o grande apelo que a telinha tinha 20 anos atrás. A informação ágil do computador, a leitura aprofundada e o cinema só seguram um pós-moderno para conteúdos sofisticados: cult-movies, documentários ou debates instigantes. Não vejo TV: pinço raros conteúdos. Capitu de Luiz Fernando Carvalho rendeu alguma polêmica entre intelectuais, mas foi rejeitada pela massa despreparada e pela burguesia inculta (em sua maior parte) brasileira. A Globo sai redimida do nefasto BBB e das "malhações" vespertinas. Capitu inseriu a transmodernidade no suporte televisivo: experimentação sofisticadíssima, parodia e pastiche luxuosos, transposição digna de Moulin Rougeou Maria Antonieta, clássicos desse modelo de "mix" entre pop e erudito, mundano e clássico, alternando efeitos de videoclipes com toques operísticos: além do não-naturalismo dramatúrgico, como se o demiurgo da trama fosse um DJ de sons e letras antenadíssimo.

Não só o suposto adultério, mas o "ethos" brasileiro e nossas mazelas foram plasticamente desconstruídas. Bentinho é ruína revista: ambigüidade pura. "A Vida é uma ópera e uma grande ópera. O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra-regra. Que se perde em experimentar? Experimentemos". Esses trechos do Casmurro justificam o entusiasmo com essa possibilidade de inovação e vanguardismo na releitura de Machado e qualquer clássico nacional levado como minissérie: se os jovens desconhecem Machado e nem jornais mais lêem, o audiovisual pode ser "porta de entrada" para quem sabe algum interesse cultural. Rock da melhor qualidade, fidelidade ao texto machadiano, requinte de Visconti com exageros deliciosamente "fellinianos", Capitu evoluiu introduzindo um dos mais preparados e versáteis atores brasileiros: Michel Melamed, amigo e colega de geração literária, um Bentinho revolucionário com toda carga que só círculo restrito da Alta Literatura fornece a interpretes desse porte. Quando penso em Melamed evoco conselho de Marília Pêra aos jovens atores: "leiam! leiam!".

Aos que acharam absurda, ininteligível, pretensiosa ou bizarra adaptação do Casmurro, - corroboro visão de Bia Abramo: "Luiz Fernando Carvalho chegou a obra admirável. Continua difícil, por mais que as referências pop queiram forçar um apelo jovem. A beleza é mesmo difícil". Chegamos a um estágio de idiotização que toda Arte de invenção ou criação não-linear tornam-se "difíceis", herméticas: Capitu deve ter desagradado os acomodados com biografias lacrimosas (Piaf) ou com musicais medíocres (Evita): a pieguice e a futilidade andam quase sempre juntas.

Debussy, Tchaikovsky, cinema mudo, fragmentos e recortes atemporais na batida eletrônica da cyber-esfera fazem de Capitu primeiro clássico televisivo do século XXI. Umberto Eco pode explicar Capitu em Apocalípticos e Integrados quando distingue "cultura de proposta" com "cultura de entretenimento", assim como Melamed em Regurgitofagia propõe "a descoisificação do Homem através da consciência crítica". Conselho para todas as crises pós-2008: criatividade para estarmos altura de grandes respostas. A mediocridade pode ser pior que a ignorância: Luiz Fernando Carvalho fez desafio em horário nobre a ambas. Machado aprovaria: o mundo pede ser visto alto, profundo e alucinadamente.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sincronismo ou o que?


Uma coisa me impressionou nessa foto que tirei com o poeta Marcelo Ariel para a entrevista que cedi a ele. Os dois relógios da foto estão sincronizados na mesma hora, sendo que o antigo esta parado, e não fomos nós que os sincronizamos. Ainda levando em conta que era meia noite e dez, é de arrepiar. Isso dava um conto do Edgar Allan Poe. Não é a primeira vez que acontece coisa do tipo quando o Ariel está presente.


Felipe Stefani.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Novos Poemas Gregos

Outro poema "greco-latino", agora em nova roupagem.

Vou-me embora para Atenas.
Lá, sou amigo das musas.
Tenho o vinho que quero e as músicas.

André Setti

domingo, 14 de dezembro de 2008

Pensamento do dia

Hoje não colocarei aqui nenhum poema, mas um pensamento que tive há alguns meses, no meio de uma balada, observando as roupas ridículas do pessoal.
Aí vai ele:

Às vezes, numa sociedade humana, a degradação estética me parece ainda mais preocupante que a degradação moral, pois é um indício de que esta ocorreu há algum tempo e vem apenas se aprofundando desde então.

André Setti

PS - comentem, comentem... Obrigado aos comentários anteriores, em especial ao comentário de Rhode Ramos. Eu que agradeço, moça.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

"Canção do Outono.’’


O inesperado é que o outono encerre
com seus prelúdios
a música sonhada na distância das barcas.

As estações caminham e com elas o encanto,
com seu império,
cantando,
a memória do mar,
a celebração sublime dos mistérios.

Colhendo a lentidão do sol
Setembro me trará mais um ano,
nos portos, nos acordes antigos
e se possível cantarei seus frutos.

Mas o outono se encerra e é tão inesperado
esse amor pelo sol e o sorriso do tempo.
A voz do homem beijou a luz desse Deus imenso.


Poema e desenho de Felipe Stefani.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Meditação.


No filme “Metrópolis”(1927),de Fritz Lang, uma cena em especial me provocou meditação. Quando o protagonista vê a fabrica abrir sua boca e se transformar em um monstro, um Moloch, devorando os operários, a magia consiste em transformar em uma imagem expressionista, aquilo que se passa como processo psíquico na mente do personagem. A realidade já era por si só dura e dramática, mas algumas pessoas tem a capacidade de se sensibilizar mais que outras, de se horrorizar mais. No filme isso foi representado por uma visão, a imagem do Moloch. Outro dia estava dirigindo na Marginal, em São Paulo, num dia de chuva, caótico, com bastante transito, pensei nisso. Para alguns essa imagem, cheia de carros, fumaça, confusão, ansiedade, é bem mais tolerável. Para mim, talvez eu enxergasse algo mais ali, uma imagem mais opressora.
As maiores tragédias, sejam talvez quando a opressão é tanta, que somos privados até mesmo do direito de nos sensibilizar, onde o homem perde toda sua liberdade e referencias. Me refiro ao Holocausto e todas as barbaridades feitas por ditaduras, como a do Stalin e do Mao Tse Tung, por exemplo. Em uma época com tão poucas alternativas políticas como a que vivemos, essa meditação é necessária.




Felipe Stefani.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Novos Poemas Gregos


CARPE DIEM

Pois vida é breve, bebe os dias,
Colhe, nos altares do vinho,
As horas fugitivas da festa.

Bebe navegando o instinto,
O vinho é a lira do mundo,
Onde a musa e a música principiam,
Na dança gloriosa dos sentidos.

Bebe e te embriaga,
Que a peleja se aproxima,
O vinho aflições dissipa,
Celebra a doce alegria,
Honra Baco nesta vida,
Canta, e ama, e te embriaga,
Pois vasto é o retiro.

André Setti


PS - com alguns versos recriados (quatro ou cinco, se bem me recordo) de Alceu e Anacreonte.

Comentários são sempre bem-vindos! Quero saber qual a sensação que este tipo de poema causa nos leitores.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Composição.

O post anterior me deu a ideia de fazer uma composição com pinturas de diferentes épocas, mas com alguma relação entre si. Espero que gostem:


Paul Cezanne, Chateau Noir, 1904-06. Oil on canvas, 29" x 36."

Kazimir Malevich, Suprematist Composition: White on White, 1918. Oil on canvas, 31" x 31."


Morris Louis, Claustral, 1961. Oil on canvas, 85" x 65."

Josef Albers, Homage to the Square: On an Early Sky, 1964. Oil on hardboard, 48" x 48."


Felipe Stefani.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Pontes da Arte.


Biblioteca Medicea Laurenziana, projeto de Michelangelo; Florença.

Mark Rothko, Orange and Yellow, 1956.

Após visitar a Biblioteca Medicea Laurenziana, em Florença, Mark Rothko ficou profundamente influenciado pelas “janelas para o nada” projetadas por Michelangelo. São elas que aparecem em quase toda sua obra posterior. Isso mostra como o passado pode estar sempre presente na arte. Rocthko, um artista moderno (ou pós-moderno se preferirem) influenciado por um renascentista que por sua vez foi influenciado pela arte greco-romana. Porém existe ainda uma outra tradição, que foi abandonada na renascença, que é a tradição da arte simbólica, onde a arte representava os símbolos religiosos e metafísicos. Será que um dia voltaremos a compreender o significado e a beleza da simbologia metafísica, e arte voltara a ser influenciada por seus símbolos?

Pintura Medieval.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

POEMA MÍSTICO.


Repentino,
Na clareira vulcânica da idade,
Concebi assim a leitura da memória;
De que tudo que desata, cresce e morre
Tem um gesto,
Um gesto de princípio.

Deveríamos chamar "ritmo"
Tudo que nos torna exaltados.

Somos tentados a ver dentro do sonho,
Assim nos recriamos do que nos causa escândalo,
Nomeamos a noite, a tarde e a manhã dos tempos,
Como fôssemos deuses.

Somos ritmo do sonho,
Lembrando, vagando,
No fim de cada era,
Causando escândalo.

Vede as estrelas,
Os frutos das figueiras,
O templo,
Furiosamente serão lembrados.
Viveremos disso,
Dando ao mundo
Um nome de batismo.

Chamaremos "inspiração"
Tudo que concentra,
Avança e se enraíza.

Impérios definham.
Somos tentados a dizer que foi um sonho,
Um sonho dentro do sonho,
Se concebêssemos tal geometria.

Pois também se lavram as terras antigas.
Vede, as águas calmas
São também colhidas.

O sonho não é sonho,
A memória não é memória.

Há sempre um Deus a redizer a história.




Poema e desenho de Felipe Stefani.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Tratado de Simbólica.


Estou lendo "Tratado de Simbólica" de Mário Ferreira dos Santos, publicado pela É Realizações. Uma das coisas básicas que aprendemos com esse livro, é como a religião é tratada de forma ingênua, justamente por aqueles que assim a consideram. Estudando a simbologia, aprendemos como a religião está longe de ser, ao contrário do que muita gente ingenuamente pensa, apenas um "sistema de crenças", mas sim uma maneira profunda, filosófica, racional e intuitiva de compreender a existência. Por isso, o livro não é de fácil abordagem, nele Mário Ferreira estuda com todo o rigor necessário a simbólica e o pensamento de filósofos como Platão, Aristóteles e Pitágoras. Ele mostra, por exemplo, como no mundo das idéias de Platão, as formas ideais tem uma significante relação com as formas da realidade e com o mundo inexplicável do infinito por trás delas. Isso mostra que a filosofia de Platão está muito mais próxima de Aristóteles do que costuma-se dizer hoje em dia. Dito tudo isso em outras palavras: não deixem de ler esse livro!!!

Felipe Stefani.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Malabarismos Juvenis.


Eu vi o escasso tempo de malabarismos juvenis
A estalar a seiva acidentada da tarde,
A aurora pura entrelaçada ao meu próprio sono
Nos instantes precários de um segredo vago.

Na oblíqua solidez dos corpos
Abre-se a rosa inicial sem nome, turva e casta,
Impura como a brisa imaculada dos sonhos, da voz,
Em uma espécie de chamado.

Eu vi o estrondo de uma gloriosa infância,
A alegria que em mim eram crianças cintilantes,
Na tarde volúvel, onde o mar, em silêncio maior,
Faz dos corpos uma presença errante.

Devo amar calado o triunfo crepuscular da juventude,
Seus beijos ao mar e sua oferenda de mistérios,
Na rosa oblíqua de um chamado puro,
Na vastidão precária dos instantes.

Eu vi tudo isso e amei, sendo eu mesmo uma oferenda eclusa
Aos mistérios juvenis, que desafiam os segredos do mar.



Poema e desenho de Felipe Stefani.

Pequena Prosa

.

Do alto do meu tempo grisalho, contemplo a praça e a cidade, a vida de tantos e tantos enganos. Do mundo fiz pouco caso, ou ao acaso de mim fizeram pouco. Desconheço a ordem dos fatos, a cronologia dos sentimentos. Sei que hoje (e este hoje se estende a muito tempo ao longe) contemplo cisnes, caminho e possuo a tarde, e nada me é estrangeiro. Apenas o mundo, numa dessas andanças, reconstruiu-me sem ideal nem esperança, e o dono da vida, este deus indagado, nem se deu nem ao trabalho de sorrir.
Gastei as melhores horas em versos, amores, mistérios. Mas o que fica disso tudo, para dizer assim, ao fim do caminho? Digo que a mim se afigura imensa a verdadeira estrada, que liga o hoje ao sonho e o sonho ao mundo. Digo apenas isso, o resto deixo ao caminho.

André Setti

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Fitzcarraldo.



O filme "Fitzcarraldo" de 1982, de Herzog, é irmão de "Aguirre, a Cólera de Deus", do mesmo diretor e que comentei a pouco tempo aqui. A cena final, nos dois filmes, tem Klaus Kinski altivo e soberano sobre sua embarcação. Em Fitzcarraldo, triunfante e orgulhoso, em Aguirre, também orgulhoso, mas delirante e derrotado,embora não derrotado aos seus próprios olhos. Mas os dois são a imagem da obsessão, do desejo de conquistar a selva. Esse desejo de conquista de um europeu sobre a Amazônia, me fez pensar sobre a natureza dos desejos humanos, sobre a origem de nossos valores, e nossa obsessão a defende-los a qualquer custo. O interessante é que quando criticamos os conquistadores europeus, ou o capitalismo americano( que é criticado pelos mesmos motivos), fazemos isso também inspirados por nossos preconceitos e valores, que aliais, muitas vezes vieram da Europa. a obsessão de Fitzcarraldo pela Ópera, é a obsessão pela arte e pela beleza, beleza que também abita a selva e a atriz Claudia Cardinare.Por tudo isso é um grande filme.

Felipe Stefani.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Marcelo Ariel Entrevista Felipe Stefani.



Marcelo Ariel: A poesia é para você uma opção ou uma necessidade, ou seja, você crê em "dom poético" ou o poema é o resultado de uma convicção?


Felipe Stefani:Sem duvida uma necessidade de criar, a primeira coisa que me lembro fazer em vida é desenhar compulsivamente, os moveis da minha casa eram todos desenhados, para desespero da minha mãe. Depois veio a escrita e os poemas. Talvez essa necessidade seja o dom e ao mesmo tempo a convicção. Mas como explicar pessoas que só demonstraram ter um grande "dom" artístico depois dos 60, 70 anos? Esse talvez seja um segredo metafísico.



Marcelo Ariel: Qual seria, na sua opinião, a função social da poesia dentro deste caótico e violentamente fragmentado inicio de século?


Felipe Stefani:Desfragmentar, elevar, modificar as pessoas que forem tocadas por ela.



Marcelo Ariel: Seu primeiro livro, o ótimo "Verso Para Outro Sentido", permanece inédito, muitos poemas dele circulam na Internet. O que significa para você publicar o livro em um pais que nos condena ao fracasso e ao limbo, e qual a importância da Internet diante desse quadro?


Felipe Stefani:A Internet é um meio libertário, que ainda assusta a alguns. Para os novos escritores, proporciona uma boa oportunidade para serem lidos e divulgar seus trabalhos, coisa que seria muito mais difícil caso ela não existisse. Mas o livro impresso é para mim igualmente importante. O livro tem algo que transcende o conteúdo. Quando você da um livro para um amigo, por exemplo, esse objeto tem um significado especial, corpóreo e afetivo.



Marcelo Ariel: Qual a relação entre a poesia e o surf?


Felipe Stefani:A relação é total. Surfar é como escrever um poema. O Surf é uma metáfora da arte.



Marcelo Ariel:Fale um pouco do seu trabalho com o desenho e a pintura, costumo dizer que mais cedo ou mais tarde irei abandonar a literatura e optar pelo silêncio do quadro, e você?


Felipe Stefani:Faz sentido, a poesia é como os gestos do corpo, ela delira, dança e se expande em símbolos obstinados. Uma hora o corpo se cansa. A pintura fala por si mesma e quanto enfim amadurece, ela se torna vida.



Marcelo Ariel: É a poesia um processo de auto-conhecimento dentro da tradição metafísica, você concorda com isso?


Felipe Stefani:A tradição metafísica na arte foi abandonada, alguns tentam resgatá-la, não me sinto muito capaz. Mas pensamento é espírito e as palavras são a manifestação do pensamento, isso é metafísica. A forma como usamos a linguagem na poesia, é sem duvida um processo de auto-conhecimento, uma alquimia do espírito, e assim é para o leitor que se envolve com profundidade com o poema.

Entrevista originalmente publicada em: http://www.teatrofantasma.blogspot.com/

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Aguirre, a Cólera de Deus.


O filme "Aguirre, a Cólera de Deus" (1972), do diretor alemão Werner Herzog, é um mergulho nas profundezas do obscuro coração humano. Em busca da lendária El Dorado, desbravadores espanhóis adentram os mistérios da floresta, até ficarem fatigados pela busca incessante e a tirania obcecada de Aguirre, interpretado magistralmente pelo ator Klaus Kinski. Quando já não resta a mínima esperança de sobrevivência, o delírio se torna a própria imagem da selva, que testa os limites das forças humanas e o desejo de poder do louco comandante. Essa foi a primeira das muitas e conturbadas parcerias de Klaus Kinski com Herzog. Um lindo filme, sem dúvida.

Felipe Stefani.

Composição.



terça-feira, 18 de novembro de 2008

Poemas Mágicos

Após os poemas gregos, os poemas mágicos, inspirados pela leitura de Jung, a questão dos símbolos, o inconsciente, etc...
Os gregos voltarão em breve. A vida é cíclica.
André Setti





Ainda que um cavalo
transbordasse o verde elemento do sonho,
e pela noite sem tempo ele surgisse,
numeroso frente à ciranda,
o olho seria um relâmpago
a ver estrelas no infinito,
com o espírito retalhador das flechas,
do ritmo e do outono,
onde um cavalo é perseguido
pela casa arruinada dos símbolos
e sentam ambos à lareira,
devorando o fogo das eras,
nas centelhas irretocáveis do mito.

"O vinho é a lira do mundo", diz o cavalo,
para a cruel zombaria do sonho,
na casa arruinada do tempo,
fonte primeira do mundo.

André Setti








Ainda que um girassol
sangrasse no infinito
os violinos líricos
deste abandono,
a tarde enevoada de sombras,
com seus reis malabaristas,
veria renascer, ao longe,
no horizonte inalcançável dos mitos,
a violeta sagrada,
nua pela descoberta
de um idioma anterior ao sonho.

André Setti








Desenhando dragões chineses,
naufraguei o louco espelho do delírio,
pelas léguas estrangeiras de um homem,
ébrio em cada terra violenta
que abre com passos de relâmpago,
quando os dragões soam no sempre
do papel dançante,
um homem ergue uma muralha
entre ele e os dragões chineses,
no teatro estrangeiro que desenha
como uma bruma.

André Setti









Se uma roldana mágica
nos devolvesse o outono
rasgado pelo vento,
em cada verso
das begônias generosas do tempo
um louco compreendesse a embarcação,
e os doze girassóis tripulantes
iluminassem o naufrágio,
ao menos o abismo
teria belas alamedas,
entre as entranhas devoradas pela cólera
e o encanto.

André Setti

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Acorde Noturno.



O acorde da noite
mais uma vez tombou
sobre meu corpo migrante,
e, sendo a música a vastidão no instante,
deixei-me sonhar em volta dela.

Ela que me tocou na noite,
na correnteza de músicas estranhas,
como mar revolto entre as sombras dos naufrágios.

E navegamos,
sacrificando o mar, multiplicando as margens,
a infinita música dos presságios,
exilados nessa travessia,
onde somente as estrelas morrem por nós.




Poema e desenho de Felipe Stefani.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O Homem Elefante de David Lynch



"O Homem Elefante", filme de 1980, do diretor americano David Lynch é, sem duvida, uma obra-prima do cinema. Filmado em preto e branco e usando recursos de filmagem do expressionismo alemão, este filme é uma verdadeira homenagem a cinema clássico. A estória é real, e emociona a dignidade do protagonista, um homem deformado por uma doença raríssima, que foi considerado retardado no começo, mas depois descobriram que tinha uma inteligência acima da média. O ritmo do filme é ditado pelo progressivo desvelamento do corpo do personagem, que é revelado aos poucos, evitando o sensacionalismo.Um belo filme, não deixem de assistir.

Felipe stefani

Revista Coyote 18.

Acaba de entrar em circulação a nova edição da Revista Coyote. Quis divulgá-la aqui por conta de uma poeta que foi publicada nesta edição da Revista. Trata-se de Beatriz Bajo, com certeza uma de minhas poetas favoritas da nova geração. Seguem, abaixo, alguns poemas dela:




LEITURA


dedos sobre folhas ansiosas em se fechar
pele sobre palavras sobre pretéritos
digitais que se fixam entre as pretas tintas
na página 44 duas pessoas procuram um lápis
e eu as esquadrinho entre as frases de antes
sujeitos de papel que me olham sem olhos
de cá fora e eu as vejo sem enxergar
pelas retinas, numa busca mais pra cima.




***



Cutículas Abertas

Assim que se arranca
Propositadamente
Desejo de corte da
Pele protetora
— fortalece
Aura da unha
: rosadinha
Ânsia de ver melhor
Corar ali
Alicate de —
Já me feriram
Politicamente
E cutuco da esquerda
Pra direita
Mas a cutícula acaba
No setor privado
De mim
Roendo os dedos de
milhares
Unhas de fome
Sangrando de epiderme
Tudo fervendo de verme
Se pudesse...
Arranhava a cara da miséria
Mas é duro o pau oco
E lasca minha unha
Fraca mas
De cutículas abertas




***

e estamos misturados nessa estória
a noite é que te colore em minhas horas acesas
assim flexionando o que é nosso

escute meus murmúrios de quase ouvido no vento de teus versos

o vento é instante que acena quando passa
não fuja, solte-o
sinta a bofetada no rosto
que estilhaça cristais

rasgo que alcança a verve

triture gelo
nada que se conserve

bom comer-se,
mastigar todos os pedacinhos da última foto
e vomitar margaridas





Não deixem de conferir o blog de Beatriz Bajo: http://lindagraal.blogspot.com/

REVISTA COYOTE Nº18


COYOTE

Revista de Literatura e Arte

N.18 * Londrina (PR) * Primavera de 2008
Uma publicação da Kan editora


Editores: Ademir Assunção* Marcos Losnak * Rodrigo Garcia Lopes

Consultor de fotografia: Juvenal Pereira

Foto da capa: Iatã Cannabrava

Ilustração da contracapa: Paulo Stocker

Distribuição nacional: Iluminuras - http://www.iluminuras.com.br/

e-mail:revistacoyote@uol.com.br

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Poemas Gregos

.

Estou lendo duas antologias de poetas clássicos Gregos e Latinos. Nomes como Horácio, Catulo, Virgílio, Píndaro, Homero, entre muitos outros, têm povoado minha imaginação poética nos últimos tempos.
Neste período, fiz uma série de poemas inspirado nestas leituras, numa espécie de releitura entre o passado e o presente, mirando sempre o futuro.
Trabalharei mais nisso. Estes poemas são o começo de algo.
André Setti




Não nasci
para fazer cantar
apenas
as doces sereias,
os vinhos e os versos
de um vasto império,
no dedilhar eterno de uma lira.

Sou, em trevas,
sentinela que anuncia
o fim de uma era,
em pleno enlace com o tempo,
festim violento
que destroça e gera,
no berço mais profundo
das raízes do mundo,
a rosa eterna,
inicial.

André Setti









Esta sagrada cidade em chamas
despertou
um velho cantor cego
e peregrino,
no abismo de seu violino adormecido,
violino que tantos séculos cantou,
séculos e ninfas, e deusas, e ruínas.

Nas trevas impenetráveis da lenda,
cantaremos o mundo,
a embriaguez.

André Setti







Mataram a beleza
Numa rara tarde de sombras.

Não haveriam de querer
Que ela cantasse as guerras
Com a lira macia dos vinhos.

Foi morta a beleza?
Eu não escuto, mas ela canta,
Nas clareiras abertas por guerreiros
Do encanto impossível.

André Setti







Os gregos navegaram o mundo,
Entre a luxúria e o império,
No reinado eterno dos Deuses,
Pela tragédia e engenho
Dos mares gregos, a odisséia
Dos séculos edificados em colunas,
Das nobre liras profanas
Celebradas por Baco embriagado,
Dos corpos em moto perpétuo
Rumo ao prazer, rumo ao tédio.

São gregos, então são o mundo,
Entre o destino e o talento.

André Setti







Entre o símbolo e o simples cantar,
o que resta ao poeta,
após a lira,
o silêncio reinar sobre o verso,
o que resta
além das metáforas,
do doce navegar dos vinhos?

Mito, delírio,
o que resta
entre luz e enigma,
num ritmo vertiginoso
de som e sentido?

O que resta, poeta?

O futuro,
na sombra de uma bailarina infinita,
o futuro.

André Setti

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Versos e Linhas.

Faz um tempo que não atualizo o blog. O motivo é que ando extremamente atarefado nas ultimas semanas. Semana que vem as coisas devem começar a ficar mais tranquilas e então voltarei a escrever aqui com a mesma frequência de sempre. Enquanto isso deixo para vocês dois poemas e dois desenhos meus. Espero que gostem:

Felipe Stefani.



DANÇA PRIMORDIAL

Quantas vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal,
libertando
a dança desregrada que atravessa a voz,
recompondo
na noite o ouro intenso onde a Lua faz ressaca.

Estou completo em minhas paisagens.

De uma vida inteira absorvo a marcha,
canto as estações abertamente,
tocando com o esquecimento as margens,
que se distanciam
e evocam
toda pureza de uma arte.

Quantas vezes essa loucura corrompeu o último enlace
do medo que se abre ao fim de cada feixe de encanto
no alimento obscuro,
colhido do apuro
das visões imensas?

Toda obra é terrível e sangra
na memória a sua imagem.

No auge insondável desse estrondo,
canto
em volta de uma dor,
o dorso se contorce,
no centro,
multiplicando o gesto,
um eco indefinido devora em travessia
centenas de mundos construídos
e sonhados.

Pois a música se apossa da ébria lentidão do meu engano.



Não te deites com a volúpia presa aos dentes,
se pretendes despertar os lobos.

Madrugada,
o uivo sonda seus ossos.

Alquimia não consiste em acalentar o orgulho.
Os lobos sabem farejar as sombras,
violetas e asteróides,
não envolvem seus mundos.

Sutileza,
presa acidentada dos cálculos,
a cidade tem uma cegueira acelerada,
os lobos avançam,
teu quarto tem extremidades impossíveis.

A volúpia brota de ossos cegos,
onde a vida, com seus lábios violetas,
não penetram.

Tu, cadáver de si mesma,
volúpia acidentada,
não penetre a alquimia com asteróides cegos.

Os lobos te envolvem, no lado mais sutil do orgulho.

Madrugada
tem acordes turvos.

Deitas-te a cama,
o edifício encravado na cidade
não supõe seus lobos extremos.

Com volúpia, não calcule a cegueira,
sem supor seus uivos.

Brotam nas sombras,
brotam nas ruas,
em espaços turvos,
no sorriso das cifras.

Avançam a madrugada em que te deitas
cadavérica,
farejam e ao farejar te despertam.

Tão inesperada como um asteróide.


Poemas e Desenhos de Felipe Stefani.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Edificai-vos.

Um texto do filosofo espanhol Xavier Zubiri sobre a o problema de Deus, no homem e na filosofia, neste link: http://www.zubiri.org/works/spanishworks/nhd/introalproblemadedios.htm

O Sol de Sokurov.


O filme "O Sol" de 2004, do diretor russo Aleksander Sokurov(1951), retrata o declínio do império tradicional japonês, no final da segunda guerra. Focalizado na controversa figura do Imperador Japonês que, apesar de seguir toda a tradição, é um positivista, amante da ciência moderna e do cinema americano. Todo isso nos leva a uma grande meditação. Sokurov acredita que o cinema conduz o espectador em uma torrente de emoções que impede a contemplação, por isso seus filmes são carregados de um ritmo poético e enigmático, mas nesse filme, também cheio de clareza. A fotografia, como na maioria de seus filmes, é magnífica. "O Sol" faz parte de uma série de filmes que retratam a intimidade de ditadores em momentos cruciais de suas histórias. Os outros ditadores retratados pelo diretor foram, Lênin no filme "Taurus' de 2000, e Hitler, no filme "Moloch" de 1999. Considero "O Sol" o melhor filme dessa série.

Felipe Stefani.

domingo, 12 de outubro de 2008

Juracy Silveira ou a permanência da tragédia humana.

Por Marcelo Ariel


O trabalho de Juracy Silveira (acima, "Mães da Praça de Maio") aponta para uma religiosidade laica, se entendermos a palavra religiosidade em seu sentido mais amplo, o da idéia que reivindica a busca de um alto sentido para uma humanidade, que pode ser encontrada dentro da humanidade. Seus quadros colocados lado-a-lado nessa "Quase retrospectiva", formam uma espécie de mapa da tragédia humana, mesmo aqueles que utilizam uma linguagem abstrata irradiam essa tragicidade, que parece ser a essância de todos os tempos da história humana.

Os quadros com uma temática social mais explícita, nos quais Juracy utiliza forma aparentemente simples (e quando ouso dizer simples, evoco para essa palavra o mesmo sentido alcançado pelo último Fernando Pessoa, o das "Quadras ao gosto popular", esses poemas "populares" do bardo português) e os quadros de denúncia social do Juracy revelam a ingênua complexidade da existância e sua absurda tristeza metafísica. Por exemplo, uma face sem rosto, pensando no meio das trevas, de um dos quadros de J.S. nesta exposição, nada mais é do que um tema pessoano inserido dentro de um contexto social atravessado pela angústia coletiva.

Nos poemas da fase final de Fernando Pessoa, o artista sai de seu interior-abstrato e tenta estabelecer um diálogo com o imaginário da gente pobre de Portugal, movimento similar ao que Juracy efetua ao sair de uma forma abstrata para chegar até os quadros de denúncia social, que são um meio que J.S. utiliza para dialogar com a história da gente pobre do Brasil e do mundo, com os desvalidos, humilhados e ofendidos do globaritarismo. Aos que, porventura, estranharem a aproximação que faço aqui, entre um grande poeta e um ótimo pintor, lembro que este texto não é outra coisa senão uma outra aproximação semelhante, com um diferencial, com o poeta que julgo ser. Por isso evoco Fernando Pessoa ao invés de evocar a mim mesmo: utilizo este procedimento para dar conta da importância dos quadros do Juracy, quadros que como nuvens flutuarão num tempo vertical em direção a uma poética da permanência.

Texto escrito para a exposição do artista realizada em Cubatão entre 02 e 14 de setembro. O ateliê de Juracy Silveira fica na sede do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Santos, na Joaquim Távora, na Vila Mathias.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Poemas de Felipe Stefani na Revista Verbo21.

Foram publicados alguns poemas de Felipe Stefani na nova edição da Revista Verbo21. Confiram!!! Vale a pena conhecer essa revista pioneira, com dez anos na Internet: http://www.verbo21.com.br/

Poemas e Gravuras de Leo Lobos.

Mais uma vez a mistura de linguagens, desta vez gravuras e poemas do artista chileno . É uma honra para nós publicar um artista deste país, vizinho e admirável. Gosto muito de suas imagens, que me lembram Miró, e de seus poemas, límpidos e lapidados. A tradução para o português foi feita por Geruza Zelnys de Almeida.

“No importa como se ponga la pintura,
mientras que algo sea dicho”
Jackson Pollock

Viveram lendo
Escrevendo
Rezando
Muito além do monólogo interior
Mais além da morte


Temor

“La mejor parte es sentirse vivo pintando y la peor
es necesitar hacer pinturas para sentirse vivo”
Geoffrey Lawrence


Reverência emocionada
quando tudo
deixa
de
importar
quando tudo está escuro
quando tudo está perdido

Que a musa te toque com seus
dedos as costas
e te empurre ao caminho

Que a frieza das cidades
que a rosa do nada
que a lama imóvel
que a areia movediça do deserto
não apaguem a tristeza da tinta
que há de alcançar a água

E seja ar movido por lábios
uma
vez
mais


Três mulheres, um piano, um gato e uma tormenta

A Alexandra Keim

É difícil ser um pássaro
e voar contra a tormenta
melhor é como um gato estar
sempre atento às brasas
cerca da chaminé
e escutar
sempre atento escutar
três línguas diferentes falarem
um idioma fascinante
misterioso e conhecido
ouvir e ir em sua música
em suas luzes e próprias
e universais sombras
fotografar
por um só segundo
fotografar com os olhos seus perfis
de ser possível
flutuar
dentro
da sala
como
um pássaro
na
tormenta


Leo Lobos (Santiago do Chile, 1966): poeta, ensaísta, tradutor e artista visual. Laureado UNESCO-Aschberg de Literatura 2002, realiza uma residência criativa em CAMAC, Centre d´Art Marnay Art Center em Marnay-sur-Seine, França. Publicou entre outros: “Cartas de más abajo” (1992), “+Poesía” (1995), “Ángeles eléctricos” (1997), “Camino a Copa de Oro” (1998), “perdidos en La Habana y otros poemas” (1999), “Turbosílabas. Poesía Reunida 1986-2003” (2003), “Un sin Nombre” (2005), “Nieve” (2006), “Vía Regia” (2007). Escreve para vários jornais, revistas e sites e tem lido seus textos de arte e literatura no Chile, Argentina, Perú, Bolivia, Brasil, México, Cuba, Estados Unidos, Espanha, França e Alemanha.

e mail: tallerleolobos@yahoo.com

www.leolobos.blogspot.com

Tradução ao português:
Geruza Zelnys de Almeida Magíster en Literatura y Crítica Literaria – Pontificia Universidad Católica de São Paulo, Brasil. geruzazelnys@terra.com.br

Felipe Stefani.

sábado, 4 de outubro de 2008

Fotografias e Poemas de Leila Lopes.

Leila Lopes é uma poeta e fotografa que conheci recentemente e me agradou bastante. É muito bonito a forma como poesia e imagem se completam, vejam:


INTENSIDADE


Não entendo a razão do espaço pouco.
Nada em minhas costas.
É tarde no meu reino de orquídeas raras.
Deste lugar, ainda não ouço o silêncio
e uma simples palavra guarda uma dor tão obscura.

Noite dentro:
a cidade turva ou pouca luz nos olhos
porque repetidas vezes
a densidade da vida incomoda.
E, na mesma rua, atravessa um alívio pueril.


O FIO DA ESPERA


Das esperas eu me dizia incapaz,
e cheirava o mofo das esquinas abertas.
Embriagava meu estilo libertário,
desejava a lágrima.

O tempo se foi como água corrente,
ora contaminada pela dureza,
ora amargada por fantasmas ocultos.

No final, vontade de não ser quase nada ao mundo,
e ser imenso a si mesmo,
abismo de leveza instantâneo.


SOLIDÃO


Ainda que tua solidão
plena em controvérsias
chore alto
cinza, amarelo
infinita peculiaridade

experimenta
da última gota:
pedaço do espaço
entre dor e liberdade.

Ainda que tua solidão
lúcida em barco
sussurre mansa
mar de razão
morte da imobilidade

experimenta
da última hora:
pedaço do céu
entre mãos, olhos, abraços

das costas da tarde:
presença de algum paraíso.


Para conhecer mais sobre Leila Lopes, acessem seus sites: www.palavraedestino.blogspot.com

www.diversos-afins.blogspot.com

Felipe Stefani.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O Homenzinho dos Gansos.


Jakob Wassermann.

A pouco tempo escrevi aqui sobre o livro “O Homenzinho dos Gansos” do escritor alemão Jakob Wassermann(1873-1934). Na ocasião tinha apenas começado a ler o livro, mas quis escrever aqui algumas impressões. Agora que terminei de lê-lo, quero dizer como é realmente um livro fascinante, um dos mais belos que já li. Wassermann nos desvela a alma dos personagens de forma profunda, em uma trama de enredo que culmina em um ponto magnífico no fim da novela, quando o Homenzinho dos Gansos, estátua que fica no centro da praça de Nuremberg, diz ao enfermo protagonista, o musico Daniel, “o importante não é poder, o importante é ser”.

Felipe Stefani.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

As Mil e Uma Noites de Pasolini.


O Filme "As Mil e Uma Noites" (1974) de Pier Paolo Pasolini, me fez imaginar passeios por mundos antigos, místicos e poéticos, assim como também ele fez ao criar o roteiro. Lembrei do que disse Oscar Wilde "A tarefa do artista é criar o belo". Deixei conduzir a imaginação, apenas pelo o que é belo no filme. Nesses mundos imaginários e recompostos, vaguei como música, a compor novas paisagens...

Felipe Stefani.

Retrato do poeta Alexandre Bonafim, por Felipe Stefani.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Contemplação.


Honoré Daumier, Two Sculptors, sem data.


Théodore Chasséreau, The Tepidarium, 1853.

Théodere Chasséreau (1819-1856) e Honoré Daumier (1808-1879), são dois artistas de uma mesma época, mas que possuem muito aspectos diferentes entre suas obras. Nas formas quase abstratas das figuras de Damier vejo um eco do Barroco e um oráculo do que viria a seguir. Em Théodore vejo também um eco do Barroco e, além disso, vejo outras coisas, coisas invisíveis, que se estivesse com o véu do preconceito moderno, não veria. Não podemos chamar suas imagens de “realistas”, mas é porém o realismo aparente o que a torna mais enigmática, pois uma pintura nunca será completamente realista, sempre a algo que é peculiar a própria pintura. Um rosto muito arredondado, um homem amarelo, um corpo muito desproporcional, e ai que está a riqueza desta arte. Precisamos também reaprender a nos encantar com a beleza da temática romântica e de suas cenas, algo de que o ranço modernista nos apartou.

O minimalismo do séc.XX nos mostrou como ver o mais no menos, mas nas pinturas dos artistas românticos e neoclássicos, também podemos encontrar grandes enigmas em pequenos aspectos de suas telas, mas também concebê-los junto ao todo da composição, o que é muito mais rico.

Donald Tudd(1928-1994), Sem Titulo, 1990.

Felipe Stefani.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Pequena Crônica, (Juventude).


Descemos a serra com as luzes da pequena Ubatuba sufocadas pelas montanhas.
Eram nostalgias, ondas de radio e subversões que varavam nosso espírito.
Você se lembra como pequenos universos eram cercados pela floresta?
Havia um forró brega, única diversão da cidade, onde caiçaras se acumulavam e nós nos misturávamos como música, música brega, devo dizer.
Se lembra da menina que você levou para casa? Tinha cabelos de relâmpago, me lembro.
Como era surfar? Eram boas as ondas que vinham do alto da arrebentação até se dissiparem nas margens da areia. Desenhávamos-las.
No século passado, os caras surfavam com madeirite. Viu aquela onda? Se lembra a extensão?
Jogávamos bola. Você ainda acredita no futebol? Os com mais fôlego duravam um dia inteiro. Depois testávamos as aptidões no mar: briga de galo, pirâmide humana, guerra na cachoeira. Concebíamos uma celebração.
Itamambuca me deu os corpos morenos, a rua de terra enraizada em meus pés.
Tinha uma discoteca incrustada na encosta que zombava das águas. As que freqüentávamos em São Paulo eram melhores, mas ondas sonoras zuniam no mar, como uma fábula.
Éramos extremos e dissonantes. Tínhamos as manhãs solares, de lá vieram os primeiros poemas, pois as manhãs eram frágeis com seu gesto dourado e suas ondas. Frágeis e esplêndidas. Nelas escrevi meus primeiros versos, ou nas ondas que desenhávamos, solares e dissonantes, como um zunido marítimo, como uma fábula.

Felipe Stefani.

Desenho do autor.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

MAR PRÓXIMO, texto de Flávio Viegas Amoreira.

George de la Tour, St. Sebastian with Lantern.


‘’ MAR PRÓXIMO’’


‘’ o mundo é muitos quando artesão das horas resgatando o Tempo exaurido / retardando o sentido

exorbitado das despedidas . a felicidade é uma cegueira da Morte : apalpa e segue a cruz estrangeira do abandono quando o universo padece verme dos meus destroços. depois aí é o que não pressinto o mergulho peremptório : crer é estabelecer dívida com o impensável : corte no procedimento das estrelas / eu ouço o gritos assustados do escuro na retidão do desenlace : a chuva cega por dentro / os que saem de mim são passageiros de algum pensamento já transcorrido. Nunca deixei de te amar pelo esquecimento do sentimento / o sentimento não tem passado nem marco fixo: transcorre de viver em nós a coisa e sobrevivemos até o fenecer do mar na aurora quando vejo palavras esboçando um dia que não mais estarei vivo para as coisas que serão então o instante / tento dizer o melhor aproximado dum significado / sabemos demais isso / não pensava noutra coisa antes de dizer palavra : escrevo o que já perdi ao dizer falando. Sinto solidão não estadia / pressentimento de estar fora do que tenho sido mesmo que não todo possível de ser . aqueles que tenho me socorrem da incerteza do Amor decisivo : desenlace / ele me enternece pela lembrança duma atmosfera / superfície ultrajada. Quis toca-la a Verdade / ela assentiría ao custo de sucumbir sob o peso da vacuidade sem propósito / ausente de Deus /não saberia pronunciar seu nome senão por escrito / nunca adormeci em sonho e finjo ser infeliz pelo que sei ser demais vertiginoso / simultaneidade ubíqua / estado de não ser o que componha cena ou fato /

tudo que não venha ao caso e uma nódoa precipitando-se em tudo que seja provisoriamente belo / que aparência tem as pessoas fora de suas ilhas revestindo a Alma de duplicado encanto? Oceano discursivo recobrindo o mutismo das esferas / as explicações lógicas aborrecem quem quer perceber / longe é mais sentido : há o antes da Alma / vergastado ao dobre / desinstante / o solar desvanecimento entregando-se ao sopro soturno dando num suspiro galáctico / tudo aconteceu no ato da esperam / há uma escusa excessiva no desnecessário espanto com as fontes e as tormentas / teatro das palavras sucede ao delírio dos significados / o Verbo azeda ao ser posto na boca / cavar um tunel sempre é uma saída ao montante roubado / parceria com a realidade desfeita / sou rival de tudo que espreita : desnudo ao pressentir o contrário do visível / a poesia serve-se dos resquícios de infindável banquete: recuso utilizar-me da compreensão ao grafar ondas e o que pervaga impreciso. ‘’

[Flávio Viegas Amoreira, escritor / crítico literárioJá lançou 5 livros pela 7 Letras, poeta, contista e romancista]
flavioamoreira@uol.com.br

sábado, 13 de setembro de 2008

Joseph de Maistre.


Estou lendo "Las Veladas de San Petersburgo" do filosofo francês Joseph de Maistre (1753-1821), livro que herdei do meu bisavô. O livro é feito de conversas filosóficas entre Joseph e mais dois amigos, durante seu exílio na cidade russa. É de uma sabedoria profunda. Meu bisavô, de quem herdei esse livro, era um carpinteiro em uma cidade do interior da Espanha, e também amante da filosofia, alem musico e pastor de ovelhas.Minha avó conta que enquanto ele se distraia tocando flauta os lobos caçavam suas ovelhas. Instigado pela história escrevi este poema:



O CARPINTEIRO

A Celestino Lagua


Não quis ser ninguém.
Almejei, nesta manhã de inverno,
Ter nascido com o nome eterno.
Seguem-me, mas não me tocam
Na hora mais remota.
Minha flauta é a flauta dos que sonham,
Desconheço a ovelha que foge do rebanho.

Sou carpinteiro das montanhas antigas,
Devo esquecer meu nome verdadeiro,
Os montes são vastos e nunca os abandono.
Ouvi dizer das cidades onde é feita a ciência,
Mas minha flauta é a flauta verdadeira,
De quem nada deseja de um nome
E dorme sob as figueiras
E perde suas ovelhas.



Felipe Stefani.

Desenhos de Felipe Stefani.

Mais desenhos do artista aqui: www.pbase.com/sodesenho/felipe_stefani