sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Versos e Linhas.

Faz um tempo que não atualizo o blog. O motivo é que ando extremamente atarefado nas ultimas semanas. Semana que vem as coisas devem começar a ficar mais tranquilas e então voltarei a escrever aqui com a mesma frequência de sempre. Enquanto isso deixo para vocês dois poemas e dois desenhos meus. Espero que gostem:

Felipe Stefani.



DANÇA PRIMORDIAL

Quantas vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal,
libertando
a dança desregrada que atravessa a voz,
recompondo
na noite o ouro intenso onde a Lua faz ressaca.

Estou completo em minhas paisagens.

De uma vida inteira absorvo a marcha,
canto as estações abertamente,
tocando com o esquecimento as margens,
que se distanciam
e evocam
toda pureza de uma arte.

Quantas vezes essa loucura corrompeu o último enlace
do medo que se abre ao fim de cada feixe de encanto
no alimento obscuro,
colhido do apuro
das visões imensas?

Toda obra é terrível e sangra
na memória a sua imagem.

No auge insondável desse estrondo,
canto
em volta de uma dor,
o dorso se contorce,
no centro,
multiplicando o gesto,
um eco indefinido devora em travessia
centenas de mundos construídos
e sonhados.

Pois a música se apossa da ébria lentidão do meu engano.



Não te deites com a volúpia presa aos dentes,
se pretendes despertar os lobos.

Madrugada,
o uivo sonda seus ossos.

Alquimia não consiste em acalentar o orgulho.
Os lobos sabem farejar as sombras,
violetas e asteróides,
não envolvem seus mundos.

Sutileza,
presa acidentada dos cálculos,
a cidade tem uma cegueira acelerada,
os lobos avançam,
teu quarto tem extremidades impossíveis.

A volúpia brota de ossos cegos,
onde a vida, com seus lábios violetas,
não penetram.

Tu, cadáver de si mesma,
volúpia acidentada,
não penetre a alquimia com asteróides cegos.

Os lobos te envolvem, no lado mais sutil do orgulho.

Madrugada
tem acordes turvos.

Deitas-te a cama,
o edifício encravado na cidade
não supõe seus lobos extremos.

Com volúpia, não calcule a cegueira,
sem supor seus uivos.

Brotam nas sombras,
brotam nas ruas,
em espaços turvos,
no sorriso das cifras.

Avançam a madrugada em que te deitas
cadavérica,
farejam e ao farejar te despertam.

Tão inesperada como um asteróide.


Poemas e Desenhos de Felipe Stefani.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Edificai-vos.

Um texto do filosofo espanhol Xavier Zubiri sobre a o problema de Deus, no homem e na filosofia, neste link: http://www.zubiri.org/works/spanishworks/nhd/introalproblemadedios.htm

O Sol de Sokurov.


O filme "O Sol" de 2004, do diretor russo Aleksander Sokurov(1951), retrata o declínio do império tradicional japonês, no final da segunda guerra. Focalizado na controversa figura do Imperador Japonês que, apesar de seguir toda a tradição, é um positivista, amante da ciência moderna e do cinema americano. Todo isso nos leva a uma grande meditação. Sokurov acredita que o cinema conduz o espectador em uma torrente de emoções que impede a contemplação, por isso seus filmes são carregados de um ritmo poético e enigmático, mas nesse filme, também cheio de clareza. A fotografia, como na maioria de seus filmes, é magnífica. "O Sol" faz parte de uma série de filmes que retratam a intimidade de ditadores em momentos cruciais de suas histórias. Os outros ditadores retratados pelo diretor foram, Lênin no filme "Taurus' de 2000, e Hitler, no filme "Moloch" de 1999. Considero "O Sol" o melhor filme dessa série.

Felipe Stefani.

domingo, 12 de outubro de 2008

Juracy Silveira ou a permanência da tragédia humana.

Por Marcelo Ariel


O trabalho de Juracy Silveira (acima, "Mães da Praça de Maio") aponta para uma religiosidade laica, se entendermos a palavra religiosidade em seu sentido mais amplo, o da idéia que reivindica a busca de um alto sentido para uma humanidade, que pode ser encontrada dentro da humanidade. Seus quadros colocados lado-a-lado nessa "Quase retrospectiva", formam uma espécie de mapa da tragédia humana, mesmo aqueles que utilizam uma linguagem abstrata irradiam essa tragicidade, que parece ser a essância de todos os tempos da história humana.

Os quadros com uma temática social mais explícita, nos quais Juracy utiliza forma aparentemente simples (e quando ouso dizer simples, evoco para essa palavra o mesmo sentido alcançado pelo último Fernando Pessoa, o das "Quadras ao gosto popular", esses poemas "populares" do bardo português) e os quadros de denúncia social do Juracy revelam a ingênua complexidade da existância e sua absurda tristeza metafísica. Por exemplo, uma face sem rosto, pensando no meio das trevas, de um dos quadros de J.S. nesta exposição, nada mais é do que um tema pessoano inserido dentro de um contexto social atravessado pela angústia coletiva.

Nos poemas da fase final de Fernando Pessoa, o artista sai de seu interior-abstrato e tenta estabelecer um diálogo com o imaginário da gente pobre de Portugal, movimento similar ao que Juracy efetua ao sair de uma forma abstrata para chegar até os quadros de denúncia social, que são um meio que J.S. utiliza para dialogar com a história da gente pobre do Brasil e do mundo, com os desvalidos, humilhados e ofendidos do globaritarismo. Aos que, porventura, estranharem a aproximação que faço aqui, entre um grande poeta e um ótimo pintor, lembro que este texto não é outra coisa senão uma outra aproximação semelhante, com um diferencial, com o poeta que julgo ser. Por isso evoco Fernando Pessoa ao invés de evocar a mim mesmo: utilizo este procedimento para dar conta da importância dos quadros do Juracy, quadros que como nuvens flutuarão num tempo vertical em direção a uma poética da permanência.

Texto escrito para a exposição do artista realizada em Cubatão entre 02 e 14 de setembro. O ateliê de Juracy Silveira fica na sede do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Santos, na Joaquim Távora, na Vila Mathias.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Poemas de Felipe Stefani na Revista Verbo21.

Foram publicados alguns poemas de Felipe Stefani na nova edição da Revista Verbo21. Confiram!!! Vale a pena conhecer essa revista pioneira, com dez anos na Internet: http://www.verbo21.com.br/

Poemas e Gravuras de Leo Lobos.

Mais uma vez a mistura de linguagens, desta vez gravuras e poemas do artista chileno . É uma honra para nós publicar um artista deste país, vizinho e admirável. Gosto muito de suas imagens, que me lembram Miró, e de seus poemas, límpidos e lapidados. A tradução para o português foi feita por Geruza Zelnys de Almeida.

“No importa como se ponga la pintura,
mientras que algo sea dicho”
Jackson Pollock

Viveram lendo
Escrevendo
Rezando
Muito além do monólogo interior
Mais além da morte


Temor

“La mejor parte es sentirse vivo pintando y la peor
es necesitar hacer pinturas para sentirse vivo”
Geoffrey Lawrence


Reverência emocionada
quando tudo
deixa
de
importar
quando tudo está escuro
quando tudo está perdido

Que a musa te toque com seus
dedos as costas
e te empurre ao caminho

Que a frieza das cidades
que a rosa do nada
que a lama imóvel
que a areia movediça do deserto
não apaguem a tristeza da tinta
que há de alcançar a água

E seja ar movido por lábios
uma
vez
mais


Três mulheres, um piano, um gato e uma tormenta

A Alexandra Keim

É difícil ser um pássaro
e voar contra a tormenta
melhor é como um gato estar
sempre atento às brasas
cerca da chaminé
e escutar
sempre atento escutar
três línguas diferentes falarem
um idioma fascinante
misterioso e conhecido
ouvir e ir em sua música
em suas luzes e próprias
e universais sombras
fotografar
por um só segundo
fotografar com os olhos seus perfis
de ser possível
flutuar
dentro
da sala
como
um pássaro
na
tormenta


Leo Lobos (Santiago do Chile, 1966): poeta, ensaísta, tradutor e artista visual. Laureado UNESCO-Aschberg de Literatura 2002, realiza uma residência criativa em CAMAC, Centre d´Art Marnay Art Center em Marnay-sur-Seine, França. Publicou entre outros: “Cartas de más abajo” (1992), “+Poesía” (1995), “Ángeles eléctricos” (1997), “Camino a Copa de Oro” (1998), “perdidos en La Habana y otros poemas” (1999), “Turbosílabas. Poesía Reunida 1986-2003” (2003), “Un sin Nombre” (2005), “Nieve” (2006), “Vía Regia” (2007). Escreve para vários jornais, revistas e sites e tem lido seus textos de arte e literatura no Chile, Argentina, Perú, Bolivia, Brasil, México, Cuba, Estados Unidos, Espanha, França e Alemanha.

e mail: tallerleolobos@yahoo.com

www.leolobos.blogspot.com

Tradução ao português:
Geruza Zelnys de Almeida Magíster en Literatura y Crítica Literaria – Pontificia Universidad Católica de São Paulo, Brasil. geruzazelnys@terra.com.br

Felipe Stefani.

sábado, 4 de outubro de 2008

Fotografias e Poemas de Leila Lopes.

Leila Lopes é uma poeta e fotografa que conheci recentemente e me agradou bastante. É muito bonito a forma como poesia e imagem se completam, vejam:


INTENSIDADE


Não entendo a razão do espaço pouco.
Nada em minhas costas.
É tarde no meu reino de orquídeas raras.
Deste lugar, ainda não ouço o silêncio
e uma simples palavra guarda uma dor tão obscura.

Noite dentro:
a cidade turva ou pouca luz nos olhos
porque repetidas vezes
a densidade da vida incomoda.
E, na mesma rua, atravessa um alívio pueril.


O FIO DA ESPERA


Das esperas eu me dizia incapaz,
e cheirava o mofo das esquinas abertas.
Embriagava meu estilo libertário,
desejava a lágrima.

O tempo se foi como água corrente,
ora contaminada pela dureza,
ora amargada por fantasmas ocultos.

No final, vontade de não ser quase nada ao mundo,
e ser imenso a si mesmo,
abismo de leveza instantâneo.


SOLIDÃO


Ainda que tua solidão
plena em controvérsias
chore alto
cinza, amarelo
infinita peculiaridade

experimenta
da última gota:
pedaço do espaço
entre dor e liberdade.

Ainda que tua solidão
lúcida em barco
sussurre mansa
mar de razão
morte da imobilidade

experimenta
da última hora:
pedaço do céu
entre mãos, olhos, abraços

das costas da tarde:
presença de algum paraíso.


Para conhecer mais sobre Leila Lopes, acessem seus sites: www.palavraedestino.blogspot.com

www.diversos-afins.blogspot.com

Felipe Stefani.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O Homenzinho dos Gansos.


Jakob Wassermann.

A pouco tempo escrevi aqui sobre o livro “O Homenzinho dos Gansos” do escritor alemão Jakob Wassermann(1873-1934). Na ocasião tinha apenas começado a ler o livro, mas quis escrever aqui algumas impressões. Agora que terminei de lê-lo, quero dizer como é realmente um livro fascinante, um dos mais belos que já li. Wassermann nos desvela a alma dos personagens de forma profunda, em uma trama de enredo que culmina em um ponto magnífico no fim da novela, quando o Homenzinho dos Gansos, estátua que fica no centro da praça de Nuremberg, diz ao enfermo protagonista, o musico Daniel, “o importante não é poder, o importante é ser”.

Felipe Stefani.