Interiormente era uma flecha que morria
Interiormente era uma flecha que morria.
Uma flecha que nascera agora, maravilhosa dentro da carne.
Uma flecha que sabia cantar luas enlouquecidas,
da a boca ao sexo pendendo
tanto.
Tanto interiormente essa flecha que um trajeto alucinante,
muito antigo, subia até o cu porque sondava até o nascimento
e almejava as margens fugitivas.
Uma flecha tão lúcida nos bosques do corpo
que supunha o ser ter uma massa alagada com campos inexistentes,
onde uma mulher se deita sobre todas idades do mundo.
Uma flecha violeta dormindo
pelos anos e anos dentro da música,
dentro do poeta sangrando.
Sangrando flores pelos ouvidos
aos pés, enlouquecendo terrivelmente.
A flecha amando em sua boca.
(A lucidez da flecha invadindo os poros da musa).
Tanto inexistia como era uma mulher. A flecha
ressurreta nas cores do ser eu via.
Uma vez vi a flecha mudamente migrando
no violeta das margens fugitivas, dentro do ser.
Flecha raríssima como pedra louca, que cobre e desvela-se.
Tão interiormente nascera, sondava e morria.
Girassol sombrio contra o ser-não ser. Sou,
mas não a flecha dentro de mim.
***
Nas estações todos esperam.
Como metáfora da vida
tornam-se lentos, graves, suspensos.
Nossa tarefa mais antiga
é esperar de uma ponta
à outra, breves, entre ida e volta,
em uma estrada ilusória.
O itinerário é uma miragem,
nele esperamos troféus ou glória.
Nele intuímos, breve, a essência,
nas estações da impermanência.
***
Os passos da vida
seguem alastrados.
Não há saída
para quem não canta.
Não há perdão
para quem não canta.
Que o caminho é isso,
caminhar, fazer-se
caminho. Mais que isso,
caminho é esquecer-se,
lembrar, morrer,
ser a fazer-se
nas grutas ocultas,
onde não há nada
que não se ata
a outro mistério
maior que a vida.
Não vale o martírio,
se não nos braços do princípio.
***
Relato
Deste tempo em que estamos
(de onde escrevo este relato),
uns dizem o fim de uma era,
outros, o início de um fraternal estágio.
Eu bebo meu chá.
Sou do tamanho da minha janela
e nela cabe até o mar.
Quando os cargueiros somem no horizonte
deixam de existir aos meus olhos carpinteiros.
Talho o mundo a minha medida.
Usei amores, naufrágios, despedidas,
e já não eram sentimentos,
eram versos.
Leitores do futuro
desculpem a falta de decoro,
falo de um tempo meio cego,
meio caolho.
Sei que Camões via só com um olho.
Pessoa via com oito.
E eu, com três, vejo por um vidro embaçado,
um tanto roto.
De minha janela vejo comícios,
revoluções. Lá embaixo gritam muito,
todos sabem de tudo.
Falam em recriar a escrita,
reverter o status.
Mas além do mar,
do mar sem fim,
vejo deuses e mitos antigos,
seus nomes ainda intactos.
Então meus olhos navegam,
conquistam novas terras,
alçam guerras,
cantam presságios.
E finalmente se apequenam,
como gota de sal
do imenso mar de Portugal,
em uma síntese impossível.
Ó mundo antigo, nós te recriaremos!
***
Poemas de Felipe Stefani, julho 2012